Fiquei na dúvida se começava esse texto pelo fim ou pelo
começo.
Também pudera, perdi o rumo, a noção de tempo.
Semanas atrás eu precisei do resgate da minha mãe. Ela foi me buscar no fim do dia de trabalho, andamos juntas de metrô, como ela tava feliz!
Sabe aquela sensação de ter filhas adultas, casadas, autossuficientes e poder socorrer uma delas? Foi esse sorriso que vi nos olhos da minha leoa.
No meio do caminho, ‘senta aqui, mãe’, ‘senta você’, ‘para de ser assim, senta você, fico aqui do seu lado’. Papo vai e vem, ela me diz ‘sabe, queria ter sido uma filha melhor pra minha mãe’ ao que respondo ‘ah, mãe... não pensa assim, não! A gente faz o nosso melhor no momento. Você foi uma boa filha até onde conseguiu. Não sinta culpa porque isso só maltrata a gente e não serve pra nada. Já pensou se eu não tivesse me perdoado por tudo que já fiz pra você? Não iria viver... mas a gente se perdoou, a gente vive em paz’.
‘Você tá certa’, ela disse pensativa, com olhos de amor, tão cheia de compaixão por mim, por nós.
Ela e eu sabíamos muito bem o que eu estava tentando encerrar. Não só a culpa dela, mas a minha também. Durante tantos anos minha mãe me viu pela vida, desfiladeiro abaixo, como quem começa a descer correndo uma ladeira e não consegue parar mais. E como orou por mim. E teve raiva. E falta de esperança e renascer da esperança; parece que amor de mãe não cansa.
Cheguei em casa naquele dia tão feliz, satisfeita mesmo; todos aqueles anos e eu nunca tinha tido coragem de dizer que eu tinha consciência do sofrimento dela por mim e que isso tinha me trazido culpas. Dizer então, assim, em voz alta, foi como rasgar uma nota promissória: ‘a gente se perdoou, a gente vive em paz’.
Também pudera, perdi o rumo, a noção de tempo.
Semanas atrás eu precisei do resgate da minha mãe. Ela foi me buscar no fim do dia de trabalho, andamos juntas de metrô, como ela tava feliz!
Sabe aquela sensação de ter filhas adultas, casadas, autossuficientes e poder socorrer uma delas? Foi esse sorriso que vi nos olhos da minha leoa.
No meio do caminho, ‘senta aqui, mãe’, ‘senta você’, ‘para de ser assim, senta você, fico aqui do seu lado’. Papo vai e vem, ela me diz ‘sabe, queria ter sido uma filha melhor pra minha mãe’ ao que respondo ‘ah, mãe... não pensa assim, não! A gente faz o nosso melhor no momento. Você foi uma boa filha até onde conseguiu. Não sinta culpa porque isso só maltrata a gente e não serve pra nada. Já pensou se eu não tivesse me perdoado por tudo que já fiz pra você? Não iria viver... mas a gente se perdoou, a gente vive em paz’.
‘Você tá certa’, ela disse pensativa, com olhos de amor, tão cheia de compaixão por mim, por nós.
Ela e eu sabíamos muito bem o que eu estava tentando encerrar. Não só a culpa dela, mas a minha também. Durante tantos anos minha mãe me viu pela vida, desfiladeiro abaixo, como quem começa a descer correndo uma ladeira e não consegue parar mais. E como orou por mim. E teve raiva. E falta de esperança e renascer da esperança; parece que amor de mãe não cansa.
Cheguei em casa naquele dia tão feliz, satisfeita mesmo; todos aqueles anos e eu nunca tinha tido coragem de dizer que eu tinha consciência do sofrimento dela por mim e que isso tinha me trazido culpas. Dizer então, assim, em voz alta, foi como rasgar uma nota promissória: ‘a gente se perdoou, a gente vive em paz’.
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Doze dias depois disso, fui ficar com ela num domingo
chuvoso.
Contei pra ela meus planos todos no melhor estilo entrevista de emprego, curto/médio/longo prazo. Ela, pintando a casa, escutava com atenção, entre pinceladas e tragos no cigarro.
‘Filhota, vai ali buscar umas esfihas pra gente?’
‘Mãe, dei faxina o dia todo ontem e depois ainda fui na Paulista com João, andei da Consolação ao Paraíso, tô dolorida até nos cílios. Queira não...’
Contei pra ela meus planos todos no melhor estilo entrevista de emprego, curto/médio/longo prazo. Ela, pintando a casa, escutava com atenção, entre pinceladas e tragos no cigarro.
‘Filhota, vai ali buscar umas esfihas pra gente?’
‘Mãe, dei faxina o dia todo ontem e depois ainda fui na Paulista com João, andei da Consolação ao Paraíso, tô dolorida até nos cílios. Queira não...’
Ela nem reclamou.
22h, fui pra casa, deixei meu filho com ela.
22h, fui pra casa, deixei meu filho com ela.
Um dia como outro qualquer, parece até estranho detalhar
fatos tão corriqueiros.
Mas quero dar a você que lê recursos pra entender o que eu senti. Abrupto e violento, como um acidente de carro.
Mas quero dar a você que lê recursos pra entender o que eu senti. Abrupto e violento, como um acidente de carro.
Às 4h da manhã, meu marido me acorda, ‘amor, sua irmã tá com
sua mãe no hospital. Vou lá ficar com João que ele tá dormindo... fica calma,
mas parece que ela teve um AVC.”
Foi exatamente aqui que eu perdi a noção de tempo.
Cheguei no hospital a tempo de ouvir o médico dizendo pra minha irmã “ELA PAROU”.
Eu gritei! Eu gritei!
“Deeeeeeuuuss! Me ajudaaaa! Jesus, me sustenta! Sem o Senhor eu não vou suportar! O Senhor chorou(1), o Senhor conhece essa dor!!!”
---
Umas 40 horas se passaram. Liberação de corpo. Velório. Amigos queridos. Várias camadas de ficha caindo. O telefone dela, comigo, que não parava. O cheiro das flores. Anestesia.
Sepultamos o corpo da minha mãe.
Em casa, peguei uma peça de roupa dela, inalei aquele cheiro tão conhecido para mim...
“Você sabe o que é cheiro de mãe? – perguntei a uma amiga. Cheiro de mãe é você, criança, estar numa casa com 50 pessoas e cair. Todas as demais 49 pessoas ali são inúteis: a única capaz de te acalmar é aquela com esse cheiro, esse que acalma, cheiro de mãe.
Logo esse tecido vai perder o cheiro da minha mãe... E agora? Quando a vida me derrubar, não vai ter mais cheiro dela pra me acalmar... Ela não vai voltar. Acabou. Não tem mais cheiro de mãe pra mim.”
Ela ouviu, como fazem as amigas. Sem perguntar ou acrescentar.
---
Porque estou falando isso tudo?
Sabem, eu creio que tudo que Deus faz é perfeito e que todas as situações agem em nosso favor(2). Vejam, tudo que vinha acontecendo, não só o mencionado aqui, como tantas coisas que aconteceram no meu relacionamento com a minha mãe e também na vida dela como um todo, tudo culminou nisso. Ela foi conduzida pelas mais diversas situações. Inclusive aquela nossa conversinha no metrô sobre culpa e perdão.
De bate-pronto, aceitei a vontade de Deus; não questionei nem me revoltei, apenas pedi que Ele estivesse comigo. Mas a dor, ah, essa era tão pesada, tão pesada como nunca tive antes.
Perder minha mãe, foi, sem dúvida a maior dor que eu tive até aqui. E dor assim, sem colo de mãe pra ajudar, é osso duro.
Uns dias depois daquela conversa com a amiga, a roupa da minha mãe guardada num saquinho, confusão, falta de perspectiva.
Sabe, a minha mãe, minha irmã e eu, nós crescemos sozinhas, as três. A ligação era muito intensa. Cheguei a falar pra minha irmã que agora nós éramos como árvores sem raiz.
Era com essa dor que eu tentava voltar pro trabalho, pra vida, pra realidade.
‘Deus, como vai ser daqui em diante? Desde o momento em que fui concebida, ela estava comigo!... como vou me levantar?
Foi quando essa voz, como uma dor explosiva dentro do meu peito, disse “EU TE LEVANTO!”(3).
Foi exatamente aqui que eu perdi a noção de tempo.
Cheguei no hospital a tempo de ouvir o médico dizendo pra minha irmã “ELA PAROU”.
Eu gritei! Eu gritei!
“Deeeeeeuuuss! Me ajudaaaa! Jesus, me sustenta! Sem o Senhor eu não vou suportar! O Senhor chorou(1), o Senhor conhece essa dor!!!”
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Umas 40 horas se passaram. Liberação de corpo. Velório. Amigos queridos. Várias camadas de ficha caindo. O telefone dela, comigo, que não parava. O cheiro das flores. Anestesia.
Sepultamos o corpo da minha mãe.
Em casa, peguei uma peça de roupa dela, inalei aquele cheiro tão conhecido para mim...
“Você sabe o que é cheiro de mãe? – perguntei a uma amiga. Cheiro de mãe é você, criança, estar numa casa com 50 pessoas e cair. Todas as demais 49 pessoas ali são inúteis: a única capaz de te acalmar é aquela com esse cheiro, esse que acalma, cheiro de mãe.
Logo esse tecido vai perder o cheiro da minha mãe... E agora? Quando a vida me derrubar, não vai ter mais cheiro dela pra me acalmar... Ela não vai voltar. Acabou. Não tem mais cheiro de mãe pra mim.”
Ela ouviu, como fazem as amigas. Sem perguntar ou acrescentar.
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Porque estou falando isso tudo?
Sabem, eu creio que tudo que Deus faz é perfeito e que todas as situações agem em nosso favor(2). Vejam, tudo que vinha acontecendo, não só o mencionado aqui, como tantas coisas que aconteceram no meu relacionamento com a minha mãe e também na vida dela como um todo, tudo culminou nisso. Ela foi conduzida pelas mais diversas situações. Inclusive aquela nossa conversinha no metrô sobre culpa e perdão.
De bate-pronto, aceitei a vontade de Deus; não questionei nem me revoltei, apenas pedi que Ele estivesse comigo. Mas a dor, ah, essa era tão pesada, tão pesada como nunca tive antes.
Perder minha mãe, foi, sem dúvida a maior dor que eu tive até aqui. E dor assim, sem colo de mãe pra ajudar, é osso duro.
Uns dias depois daquela conversa com a amiga, a roupa da minha mãe guardada num saquinho, confusão, falta de perspectiva.
Sabe, a minha mãe, minha irmã e eu, nós crescemos sozinhas, as três. A ligação era muito intensa. Cheguei a falar pra minha irmã que agora nós éramos como árvores sem raiz.
Era com essa dor que eu tentava voltar pro trabalho, pra vida, pra realidade.
‘Deus, como vai ser daqui em diante? Desde o momento em que fui concebida, ela estava comigo!... como vou me levantar?
Foi quando essa voz, como uma dor explosiva dentro do meu peito, disse “EU TE LEVANTO!”(3).
E com essa frase simples, tão poderosa, Deus me fez uma
promessa. E essa promessa, apesar de não fazer eu me sentir bem
instantaneamente, me deu uma experiência muito forte de com Ele. Eu soube que,
de alguma maneira, talvez não ali, prostrada no meu quarto, não naquele
momento, Deus iria me ajudar a ter esperança no futuro e acreditar que eu poderia suportar tamanha dor.
Às vezes passamos por situações e dores que achamos
impossível superar; assim foi que eu senti, um dano sem volta, minha vida
totalmente sem norte.
Mas eu quero dizer que Deus tem sido meu sustento. A dor existe, é fato, e a verdade que a saudade não arrefece. Mas Deus é conosco em todos os momentos!
Por isso, confie, como eu tenho confiado quando as dúvidas aparecem. E quando a dor dói mais forte, é no colo dEle que eu choro. Muitas vezes nem consigo pronunciar palavra alguma.
Mas Ele sabe … Ele sabe antes que eu fale (4) , Ele sabe.
Mas eu quero dizer que Deus tem sido meu sustento. A dor existe, é fato, e a verdade que a saudade não arrefece. Mas Deus é conosco em todos os momentos!
Por isso, confie, como eu tenho confiado quando as dúvidas aparecem. E quando a dor dói mais forte, é no colo dEle que eu choro. Muitas vezes nem consigo pronunciar palavra alguma.
Mas Ele sabe … Ele sabe antes que eu fale (4) , Ele sabe.
(1) João 11:32-35 Quando Maria chegou ao lugar onde estava
Jesus, ao vê-lo, lançou-se-lhe aos pés, dizendo: Senhor, se tivesses estado
aqui, não teria morrido meu irmão. Jesus, vendo-a chorar e chorar também os
judeus que a acompanhavam, gemeu em espírito, perturbou-se e perguntou: Onde o
pusestes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê. Jesus chorou.
(2) Romanos 8:28 E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.
(3) Salmos 145:14 O Senhor sustenta a todos os que caem e levanta a todos os abatidos.
(4) Salmos 139:4 Antes mesmo que a palavra me chegue à língua,
tu já a conheces inteiramente, Senhor.