quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Este não é um texto triste

Fiquei na dúvida se começava esse texto pelo fim ou pelo começo.
Também pudera, perdi o rumo, a noção de tempo.

Semanas atrás eu precisei do resgate da minha mãe. Ela foi me buscar no fim do dia de trabalho, andamos juntas de metrô, como ela tava feliz!
Sabe aquela sensação de ter filhas adultas, casadas, autossuficientes e poder socorrer uma delas? Foi esse sorriso que vi nos olhos da minha leoa.
No meio do caminho, ‘senta aqui, mãe’, ‘senta você’, ‘para de ser assim, senta você, fico aqui do seu lado’. Papo vai e vem, ela me diz ‘sabe, queria ter sido uma filha melhor pra minha mãe’ ao que respondo ‘ah, mãe... não pensa assim, não! A gente faz o nosso melhor no momento. Você foi uma boa filha até onde conseguiu. Não sinta culpa porque isso só maltrata a gente e não serve pra nada. Já pensou se eu não tivesse me perdoado por tudo que já fiz pra você? Não iria viver... mas a gente se perdoou, a gente vive em paz’.
‘Você tá certa’, ela disse pensativa, com olhos de amor, tão cheia de compaixão por mim, por nós.
Ela e eu sabíamos muito bem o que eu estava tentando encerrar. Não só a culpa dela, mas a minha também. Durante tantos anos minha mãe me viu pela vida, desfiladeiro abaixo, como quem começa a descer correndo uma ladeira e não consegue parar mais. E como orou por mim. E teve raiva. E falta de esperança e renascer da esperança; parece que amor de mãe não cansa.
Cheguei em casa naquele dia tão feliz, satisfeita mesmo; todos aqueles anos e eu nunca tinha tido coragem de dizer que eu tinha consciência do sofrimento dela por mim e que isso tinha me trazido culpas. Dizer então, assim, em voz alta, foi como rasgar uma nota promissória: ‘a gente se perdoou, a gente vive em paz’.

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Doze dias depois disso, fui ficar com ela num domingo chuvoso.
Contei pra ela meus planos todos no melhor estilo entrevista de emprego, curto/médio/longo prazo. Ela, pintando a casa, escutava com atenção, entre pinceladas e tragos no cigarro.
‘Filhota, vai ali buscar umas esfihas pra gente?’
‘Mãe, dei faxina o dia todo ontem e depois ainda fui na Paulista com João, andei da Consolação ao Paraíso, tô dolorida até nos cílios. Queira não...’
Ela nem reclamou.
22h, fui pra casa, deixei meu filho com ela.
Um dia como outro qualquer, parece até estranho detalhar fatos tão corriqueiros.
Mas quero dar a você que lê recursos pra entender o que eu senti. Abrupto e violento, como um acidente de carro.
Às 4h da manhã, meu marido me acorda, ‘amor, sua irmã tá com sua mãe no hospital. Vou lá ficar com João que ele tá dormindo... fica calma, mas parece que ela teve um AVC.”
Foi exatamente aqui que eu perdi a noção de tempo.
Cheguei no hospital a tempo de ouvir o médico dizendo pra minha irmã “ELA PAROU”.
Eu gritei! Eu gritei!
“Deeeeeeuuuss! Me ajudaaaa! Jesus, me sustenta! Sem o Senhor eu não vou suportar! O Senhor chorou(1), o Senhor conhece essa dor!!!”

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Umas 40 horas se passaram. Liberação de corpo. Velório. Amigos queridos. Várias camadas de ficha caindo. O telefone dela, comigo, que não parava. O cheiro das flores. Anestesia.

Sepultamos o corpo da minha mãe.

Em casa, peguei uma peça de roupa dela, inalei aquele cheiro tão conhecido para mim...
“Você sabe o que é cheiro de mãe? – perguntei a uma amiga. Cheiro de mãe é você, criança, estar numa casa com 50 pessoas e cair. Todas as demais 49 pessoas ali são inúteis: a única capaz de te acalmar é aquela com esse cheiro, esse que acalma, cheiro de mãe.
Logo esse tecido vai perder o cheiro da minha mãe... E agora? Quando a vida me derrubar, não vai ter mais cheiro dela pra me acalmar... Ela não vai voltar. Acabou. Não tem mais cheiro de mãe pra mim.”
Ela ouviu, como fazem as amigas. Sem perguntar ou acrescentar.

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Porque estou falando isso tudo?
Sabem, eu creio que tudo que Deus faz é perfeito e que todas as situações agem em nosso favor(2). Vejam, tudo que vinha acontecendo, não só o mencionado aqui, como tantas coisas que aconteceram no meu relacionamento com a minha mãe e também na vida dela como um todo, tudo culminou nisso. Ela foi conduzida pelas mais diversas situações. Inclusive aquela nossa conversinha no metrô sobre culpa e perdão.
De bate-pronto, aceitei a vontade de Deus; não questionei nem me revoltei, apenas pedi que Ele estivesse comigo. Mas a dor, ah, essa era tão pesada, tão pesada como nunca tive antes.
Perder minha mãe, foi, sem dúvida a maior dor que eu tive até aqui. E dor assim, sem colo de mãe pra ajudar, é osso duro.

Uns dias depois daquela conversa com a amiga, a roupa da minha mãe guardada num saquinho, confusão, falta de perspectiva.
Sabe, a minha mãe, minha irmã e eu, nós crescemos sozinhas, as três. A ligação era muito intensa. Cheguei a falar pra minha irmã que agora nós éramos como árvores sem raiz.
Era com essa dor que eu tentava voltar pro trabalho, pra vida, pra realidade.
‘Deus, como vai ser daqui em diante? Desde o momento em que fui concebida, ela estava comigo!... como vou me levantar?
Foi quando essa voz, como uma dor explosiva dentro do meu peito, disse “EU TE LEVANTO!”(3).

E com essa frase simples, tão poderosa, Deus me fez uma promessa. E essa promessa, apesar de não fazer eu me sentir bem instantaneamente, me deu uma experiência muito forte de com Ele. Eu soube que, de alguma maneira, talvez não ali, prostrada no meu quarto, não naquele momento, Deus iria me ajudar a ter esperança no futuro e acreditar que eu poderia suportar tamanha dor.

Às vezes passamos por situações e dores que achamos impossível superar; assim foi que eu senti, um dano sem volta, minha vida totalmente sem norte.
Mas eu quero dizer que Deus tem sido meu sustento. A dor existe, é fato, e a verdade que a saudade não arrefece. Mas Deus é conosco em todos os momentos!
Por isso, confie, como eu tenho confiado quando as dúvidas aparecem. E quando a dor dói mais forte, é no colo dEle que eu choro. Muitas vezes nem consigo pronunciar palavra alguma.
Mas Ele sabe … Ele sabe antes que eu fale (4) , Ele sabe.



(1) João 11:32-35 Quando Maria chegou ao lugar onde estava Jesus, ao vê-lo, lançou-se-lhe aos pés, dizendo: Senhor, se tivesses estado aqui, não teria morrido meu irmão. Jesus, vendo-a chorar e chorar também os judeus que a acompanhavam, gemeu em espírito, perturbou-se e perguntou: Onde o pusestes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê. Jesus chorou.

(2) Romanos 8:28 E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.

(3) Salmos 145:14 O Senhor sustenta a todos os que caem e levanta a todos os abatidos.


(4) Salmos 139:4 Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu já a conheces inteiramente, Senhor.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Perdi você.

Tinha o pavio mais curto. Em compensação, coração, tinha o maior do mundo. Usou-o tanto para amar que ele se cansou cedo demais.
Dos que nos procuram, todos dizem o quanto foram ajudados por você, o quão boa você era.
Pessoas mencionam que você tem estado diferente, mais doce, tem tido mais fé. Que tem reconhecido erros antigos em longos telefonemas, agradecido ajudas e se feito mais presente.
Não creio em coincidências, mas creio na soberania daquEle que sabe o último capítulo dessa novela. E Ele vem preparando sua partida. Há meses você vem se despedindo.
Doce! Você, nossa leoa, doce?
Sim, mãe, a vida te fez dura. Há tempos na vida que só com uma grossa casca se pode aguentar a pancada e às vezes, perdemos a doçura, a ingenuidade por causa desse mundo tantas vezes vil. Aconteceu comigo também. E vivemos tanto tempo, casca contra casca!
Mas, nos últimos tempos, nos deixamos, vagarinho, entrar na casca uma da outra.
Não ficamos nos devendo nada. Não ficou nenhuma dívida de amor entre nós.
Quanto medo tive desse momento, quando você nos deixaria. E muito embora a dor seja lancinante, muito embora olhar seus objetos e sentir o cheiro que restou de você naquela casinha desperte certa vontade de gritar “volta, por favor, volta!” que paz tenho por termos finalmente tido coragem para abrir as nossas cascas!
Que dor te ver miudinha hoje, mesmo sendo bom viver os últimos momentos com você. Quis eu te por no colo dessa vez e cantar “Pequenina do meu amor/Vem correndo pros meus braços/Eu guardo pra você/Os mais caros lindos sonhos...”.
Hoje nós fomos quem cuidamos de você, mãe.
Você partiu como sempre quis, foi tudo rápido, definitivo, sem te causar o transtorno de depender de ninguém por tempo longo ou curto.
O mais lindo é saber que, com você, essa história de completar a missão não foi clichê.
Você combateu o bom combate, acabou a carreira e guardou a fé.*
Obrigada por me ensinar com seus erros, com acertos e, principalmente, com esse coração que foi falhar logo agora. Sapeca ele, que nem você, dona Gogô.
Perfeitas não fomos, não somos, nunca seremos.
Nós somos é metade, metadinha da outra, eu e você, nos amando reciprocamente... para sempre.




*"Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé.
Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda."

2 Timóteo 4:7,8

domingo, 29 de março de 2015

O porquê do Grão de Trigo

Então, estou de volta. Fiquei muito tempo em silêncio, como quem convalesce. Minha alma estava convalescendo e, como quem acorda um dia, livre do mal que o acompanhou por muito tempo e se vê curado, acordei e me notei; vi que a alma não doía mais. Acordei e me vi plena, suprida, fulfilled.


Há alguns dias, eu ouvi alguém dizer que se você está infeliz hoje é porque você não percebe que você está vivendo o sonho que você teve lá atrás. E hoje eu estou vivendo o sonho de vida e família que eu sempre acalentei. Tive meus sonhos cumpridos, minha vida restituída e minha alma restaurada.
Poderia contar tantas histórias de como cheguei até aqui, mas o importante é que eu já estou aqui. Eu já cheguei!
Eu sou o grão de trigo que morreu* e que por isso renasceu melhor, mais forte, cheio de vida!

Sou infinitamente grata a Deus por tudo que aprendi e toda força que Ele me deu através das provas que Ele mesmo me permitiu passar. Deixei de ser ferida e me tornei flor. Deixei a amargura da mágoa para abraçar a doçura que sempre fez parte de mim. Deixei de ser um produto do que a vida fez comigo.
Nada como ficar desiludido!
Mas alguém aí pode me dizer "Nossa, Nina, que horror, desilusão não é uma coisa boa!", mas eu digo que ruim mesmo é a ilusão. Estar 'des-iludido', significa que a ilusão caiu e podemos ver a vida como ela se apresenta, os problemas como eles são e a partir daí buscar soluções.
Desilusão!A dor segundo Deus** que traz consigo o remédio.
Que alívio! Puxa, que refrigério! A vida que nunca tive, a saudade do que não vivi, as canções melancólicas que falam de histórias de amor idealizadas, impossíveis...
Ufa! Eu sou livre! Eu c-r-e-s-c-i***. Acabou o silêncio, a poesia dolente, aquele ensimesmamento!


Hoje, se fico em silêncio é apenas para contemplar o que Ele fez na minha vida e aprender um bocadinho mais sobre Sua graça e amor.
E aqui, nesse blog, vou tentar compartilhar um pouco dessa água viva e da sabedoria que, eu sei, vem do alto e, quem sabe, ser o grão que morreu e que deu muitos frutos!


*Digo-lhes verdadeiramente que, se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, continuará ele só. Mas se morrer, dará muito fruto. João 12:24

**A tristeza segundo Deus produz um arrependimento que leva à salvação e não remorso, mas a tristeza segundo o mundo produz morte. 2 Coríntios 7:9

***Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino. 1 Coríntios 13:11